Resumen
Em música, o sustenido é um acidente que eleva a altura da nota em um semitom. Uma nota sustenida está sempre no espaço entre uma nota natural e outra, é uma mediação numa região de fronteira tonal. Mesmo sendo um acidente musical, as notas e acordes sustenidos têm funções importantes na composição musical, por um lado, permitem e facilitam a passagem entre um acorde e outro, mas sobretudo, servem para provocar a ruptura necessária para trocar o tom da música, enriquecendo e potencializando a melodia e a harmonia. Partindo dessa metáfora musical proponho neste artigo o conceito de território sustenido para discutir a crise, do que chamo, da experiência do território no âmbito das práticas artísticas contemporâneas para o espaço urbano. O território sustenido se refere aos territórios dos espaços urbanos durante o período crítico da pandemia, quando medidas de restrição de uso e circulação eram impostas em cidades e países tais como: lockdown, distanciamento social, toque de recolher e outras tantas que delimitavam a área e os horários em que cada um poderia estar e andar no espaço público. O território, que aprendemos habitar durante a pandemia era então um território restringido, reduzido, virtualizado, confiscado, suspenso. Agora, com o avanço da vacinação, aos poucos recuperamos o direito de usufruir e de circular pelos espaços públicos, mas durante mais ou menos um ano e meio, tivemos que aprender a lidar com um território ainda mais político, ainda mais vigiado, ainda mais panóptico. Esta transformação do território agravou ainda mais a crise da experiência já denunciada por importantes filósofos ao longo dos últimos cem anos, de Walter Benjamin que alertou para um empobrecimento da experiência e mais recentemente Giorgio Agamben que acusou a sua total destruição. Num diálogo com esses filósofos da experiência e outros ligados aos espaços existenciais, discuto a importância da experiência do território para as práticas artísticas preocupadas com a paisagem crítica contamporânea. Após conduzir o leitor por essa reflexão sobre a crise da experiência, sua radicalização durante a pandemia e suas implicações sobre o território das práticas artísticas da paisagem; o artigo procura esboçar algumas estratégias possíveis de reação, para vencer a crise da experiência do território por meio da apropriação do conceito de “modos de existir” do antropólogo e filósofo Bruno Latour e suas mediações em rede. O artigo busca apontar caminhos teóricos e estratégicos que permitam ―mesmo em momentos de suspensão do território e sua consequente crise da experiência― encontrar poéticas críticas nas mediações em rede entre os territórios do social, do político, do cultural, da técnica e do geográfico das paisagens reais.
Citas
Agamben, G. (2005). Ensaio sobre a destruição da experiência. In Infância e história: destruição da experiência e origem da história (pp. 19-78). Editora UFMG.
Bachelard, G. (2000). A poética do espaço. Martins Fontes.
Benjamin, W. (1987). Experiência e pobreza. In Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura (Vol. 1, pp. 114-119). Editora Brasiliense.
Berenstein, P. (2012). Elogio aos errantes. EDUFBA.
Bollnow, O. (2008). O homem e o espaço (A. Schmid, Trad.). Editora UFPR.
Calvino, I. (1990). As cidades invisíveis. Companhia das Letras.
Careri, F. (2013). Walkscapes. O caminhar como prática estética. Gustavo Gili.
Cordeiro, G. (2019). Observação estética - percepções na cidade contemporânea A vivência observatória do espaço urbano com experiência estética e de preservação da memória do lugar. Cadernos de Arte Pública, 1(1), 35-37.
De Certeau, M. (1998). A invenção do cotidiano: Artes de Fazer (Vol. 1). Editora Vozes.
Dürckheim, G. (1932). Untersuchungen zum gelebten Raum. Neue Psychologische Studien, 6(4).
Heidegger, M. (2011). Ser e tempo. Vozes.
Lassen, H. (1939). Beiträge zur Phänomenologie und Psychologie der Anschauung. Würzburg-Aumühle.
Latour, B. (2019). Investigação sobre os modos de existência: Uma antropologia dos modernos. Editora Vozes.
Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da Percepção. Martins Fontes.
Minkowski, E. (2013). Le temps vécu (1933): etudes phénoménologiques et psychopathologiques. Presses Universitaires de France.
Osborne, P. (2013). Anywhere or Not All. Philosophy of Contemporary Art. Verso.
Paglieri, R. (2019). A paisagem rádio-mapa e o Projeto Radionómada [Tese de doutorado, UFRJ]. https://www.academia.edu/41439636/RODRIGO_PAGLIERI_A_PAISAGEM_R%C3%81DIO_MAPA_E_O_PROJETO_RADION%-C3%94MADA
Simondon, G. (2007). El modo de existencia de los objectos técnicos. Buenos Prometeo Libros.
Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivadas 4.0.
Derechos de autor 2023 Fundación Universitaria San Mateo